Sem graça
“Não vai dar muitas
daquelas tuas risadas, tá ficando estranho”,
alertou meu pai antes de eu sair para fazer meu programa de rádio no
último sábado.
De fato, sempre perdi
o controle do deboche, minha entrelinha preferida. Isso me rende boas histórias, mas
possivelmente é um problema em um programa de rádio ao vivo com 5 horas de duração-
e ainda não foi dessa vez que o conselho paterno me resguardou da “simplorice”.
Ri de mim. Ri do Supla. Me engasguei
tentando voltar atrás nas ironias parciais e rudes demais. Ri da política, como rio nervosa agora sobre o
episódio recente da rapidinha brasileira em Davos. Falhei,
tossi e ri de tudo isso. Talvez seja muito tarde para revisar minhas risadas estranhas- e eu já
falei aqui também sobre o estranho hábito de falar rindo. Minha família é de
debochados, minhas amizades começaram com cãibra e lágrimas no rosto
depois de piadas ruins e minha maior saudade dos ex-namorados (ou coisa que o
valha) são as piadas internas (sempre estabeleci um repertório delas).
Acho que por isso, um grupo de
amigos estranhou minha reação quando me mostraram os “memes do Fábio Assunção”.
Lembro do primeiro, que fazia referência a um episódio em que ele, claramente
entorpecido, gritava que era um global
dentro de uma viatura. O segundo, debochava do surto que ele teve dentro de um
hospital e o terceiro era apenas um vídeo dele dançando. “Hoje é sexta-feira e
eu já tô no modo Fábio Assunção”, disseram ainda algumas legendas de pessoas
aleatórias no feed do Instagram.
- Esse cara é meu ícone, Victória. Como que tu não ri?!- Ué, não vejo graça nenhuma. Tenho pena.- Pena de quê?! É engraçado. E ele tá se divertindo.
Talvez tenha até torcido um pouco o
nariz ao ver naquele grupo- em que outrora em fazia coro no burburinho de
risos- uma glamourização absurda do vício ( não tenho propriedade nenhuma para
afirmar em que exatamente), da falha e da exposição. A graça parecia ser suscitada pela queda do “galã”, do
“ator bem sucedido”, do cara principal das “novelas da nossa época” à uma
categoria que qualquer um de nós já esteve em dia comum de carnaval (e alguns
em muitas noites no meio da semana depois de exagerar na vodka e na anfetamina,
inclusive).
Já não conseguia partilhar da
cãibra e das lágrimas no rosto depois de risadas escandalosas. Não dessa vez, porque lembrei o que uma amiga disse uma vez sobre ter medo da noite. “Eu tenho pânico quando escurece, porque
quando era criança associava a noite com o horário em que meu pai chegava em
casa para bater na minha mãe. Era uma ótima pessoa durante o dia, mas aí ia no
bar, o álcool, né?!”
Visualizei
a expressão dos filhos do ator ao tropeçarem numa babaquice dessas ao rolar o
feed. Senti a dor de cabeça e a culpa do Fábio Assunção acordando no outro dia
com medo de olhar nos olhos dos filhos.
Comecei a desconfiar se eu realmente tinha desenvolvido uma segunda
personalidade amargurada e sem humor; ou, pior ainda, o senso lisergicamente
politicamente correto extremista da esquerda universitária pós-moderna.
Na
terça-feira, 22,v i a notícia de que Fábio fechou um acordo com o compositor e
os cantores da música "Fábio Assunção", parte do movimento que ironizou a tragédia do
cara, para ajudar instituições de tratamento de dependência química. Além disso, ele se pronunciou abertamente
sobre a questão de ser viciado em drogas.
Com isso, uma série de pessoas prestaram apoio ao ator e se retrataram
pela falta de senso antes disfarçada de humor.
Respirei
aliviada. Eu não estava louca.
A
piada que era ruim.
Fantástico como sempre! Penso exatamente assim, se etiveres louca seremos duas... Bjs!
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